Zhongguancun: O que devemos aprender com a China sobre empreendedorismo ?

Localizada ao noroeste da capital da República Popular da China, Pequim- a região de Zhongguancun pode nos ensinar muito sobre tecnologia, modelos de negócios e qual o papel do Estado no desenvolvimento de tecnologias disruptivas.

cidades
Thiago Rondon
Consultor em tecnologias cívicas
18.5.2023

Em recente visita à região, com o olhar voltado a startups e inovação, foi fácil identificar a maneira orquestrada que se dá o desenvolvimento de tecnologias disruptivas na China. Vamos falar sobre a região de Zhongguancun ou como alguns chamam de "Vale do Silício Chinês", onde toda a atividades da região é orienta a criatividade, ao empreendedorismo e a tecnologia.

Pude ver que o governo chinês está promovendo o empreendedorismo em massa, colocando a inovação no centro do plano de metas dos próximos 5 anos. Isso inclui apoio financeiro, assistência administrativa e parcerias com atores locais — como universidades, incubadoras, investidores e aceleradoras.

Áreas como Z-Parks e InnoWay, concentram investidores, empresas e inovadores em um mesmo ambiente, para intercâmbio de projetos, minimização de custos iniciais e realização de negócios.

Z-Park

Z-Park é composto por um grupo de sete parques, cobrindo uma área de cerca de 100 quilômetros quadrados ao noroeste de Pequim, perto das instituições como a Universidade de Tsinghua, a Universidade de Pequim e a Academia da China De Ciência (CAS).

Em 1988, a área foi oficialmente reconhecida como Zona Experimental de Pequim para o Desenvolvimento de Indústrias de Novas Tecnologias, um lugar onde novas medidas e novas instituições poderiam ser testadas.

Lá existe a liberdade para produzir qualquer tecnologia, a única limitação é aquilo que está expressamente proibido na legislação. Ou seja, se não há proibição direta, é legal.

Cerca de 18 mil empresas operam no Z-Park, incluindo mais de 1.500 empresas estrangeiras.

Representantes deste parque tecnológico, constantemente, visitam áreas de alta tecnologia para convidar empresas, especialistas e investidores sediados em outros países a iniciar operações na China, oferecendo benefícios desde aluguel razoável, altos salários e incentivos para iniciar uma startup com maior facilidade.

InnoWay

Uma rua em que esta juntando “dinheiro, pessoas e mercado” como disse Wang Zhuang, editor chefe da revista digital 36r.com.

Um bom exemplo, é o coworking Cheku Café que tem sido o ponto de início de muitas startups, oferecendo um espaço para trabalhar por um baixo custo (algo em torno de US$ 3 por pessoa por dia). Tornou-se a base de alguns dos principais investidores da China e empresas de internet.

Neste espaço existe o fluxo de uma incubadora, que conecta cerca de 400 empresários com grandes empresas e investidores todos os dias.

Estive com alguns empreendedores nesta rua durante alguns dias, e foi interessante notar os objetivos principais é o mercado, independente do produto. É comum ouvir por aqui que os chineses trabalham no modelo de “copiarem” modelos existentes, porém o que notei é que eles buscam mercado independente do que seja. Há diversas pessoas e estudos que dizem que a visão de inovação entre o Americanos e os Chineses são muito diferentes, como por exemplo o estudo que Jeffrey Loewenstein e Jennifer Mueller que afirma que os chineses acreditam que um produto é inovador quando é para massas, enquanto os americanos é quando o produto é “sob medida” ou “distintivo” no mercado. Um exemplo que este estudo sugere é que o Apple Watch teve uma aceitação inferior ao esperado pois o posicionamento no mercado americano foi um relógio para todos, e o que provavelmente teria mais sucesso na China.

Mas, como estes espaços estão surgindo ? O governo chinês, neste caso especifico, realizou um investimento em 2013 na região no valor de 36 milhões de dólares e promoveu incentivos e articulação para levar empresas de investimento para o local, e o resultado é que em pouco tempo há um ecossistema consistente e pronto para inovadores.

Percebi que o governo está se movendo na direção de ecossistema, para um papel de apoio indireto e focado na construção de uma infra-estrutura de incentivos. Não é papel do Estado, simplesmente, facilitar a inovação. Na China, o investimento público é orientado por missões, objetivos e decisões que transformam a sociedade. Mais que a cooperação público-privadas, é preciso definir que tipo de parceria queremos para cada tipo de negócio e quais resultados eles podem gerar.

Energias renováveis na China: Integrando inovação à estratégias de negócio

É interessante entender o modelo de ecossistema da China, tendo como exemplo, o investimento em tecnologias verdes.

Em 2010, o Banco de Desenvolvimento Chinês, disponibilizou US$ 47 bilhões para o investimento em energias renováveis, especialmente, energia solar.

Esse aporte foi fundamental para aprimoramento da tecnologia e colocou o país como referência internacional no estudo e aproveitamento desta fonte.

Em poucos anos, empresas chinesas -com amplo apoio do governo- tiraram do mercado, as americanas e europeias do setor. O segredo foi ofertar qualidade e tecnologia por um baixo custo.

Este mesmo banco, investiu US$ 3 bilhões na pesquisa e geração de energia eólica na Argentina, utilizando tecnologia chinesa.

A instituição ainda garante que, em 2050, terá uma rede elétrica equivalente as redes americanas e europeias juntas, garantindo investimentos ainda maiores nos próximos anos.

Além da busca por novos mercados, houve um intenso trabalho para que o mercado interno acompanhasse essa evolução e fosse o maior consumidor da tecnologia desenvolvida no país.

É, com certeza, um caso que vale conhecer. E, na medida do possível, replicar em outras economias similares.

O Estado Empreendedor

Analisando os mais bem sucedidos “vales” de tecnologia ao redor do mundo, fica evidente o papel fundamental do Estado no desenvolvimento de tecnologias disruptivas.

O Vale do Silício, referência como um polo para este tipo de tecnologia, teve seu desenvolvimento estabelecido no pós Segunda Guerra- nos anos 50- pela DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency/ Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa). O objetivo original da agência era manter a superioridade tecnológica dos EUA e alertar contra possíveis avanços tecnológicos de adversários potenciais.

Para a economista Mariana Mazzucato, em seu livro “O Estado Empreendedor” , os EUA têm uma política desenvolvimentista dividida entre departamentos e agências governamentais.

Ela a usa como exemplo o desenvolvimento do Google. O algoritmo de buscas foi criado quando Larry Page e Sergey Brin eram doutorandos em Stanford e trabalhavam num projeto de pesquisa financiado pela Fundação Nacional de Ciência dos EUA.

A Apple, também é outro exemplo, antes de abrir o capital, recebeu US$ 500 mil da Continental Illinois Venture Corp., fundo do programa do governo americano de incentivo a pequenas empresas.

Até a assistente virtual Siri, teve ajuda do governo americano, foi financiada pelo Departamento de Defesa Americano.

No Silicon Wadi, em Israel, não foi diferente. O propulsor inicial foi o setor militar. Hoje, é considerado o segundo maior polo de inovação para tecnologias disruptivas. Israel é o país com maior concentração de startups por habitante no mundo. São cerca de 6 mil delas, para uma população de 8,4 milhões de pessoas.

O exemplo israelense é a Unidade 8200 — divisão de ciber inteligência do exército israelense- que incubou uma startup milionária. Dois integrantes dessa unidade, que haviam criado um software para analisar a movimentação financeira de suspeitos de terrorismo, adaptaram a ferramenta para detectar golpes em sites de comércio eletrônico. A empresa foi vendida para a PayPal em uma negociação bilionária.

Em ambos os casos, a busca por inovação na “defesa territorial” foi a maior mobilizadora de capital para tecnologias que romperam com padrões estabelecidos e inovaram completamente, as chamadas tecnologias disruptivas.

O Estado assumiu este papel, já que capital necessário para este tipo de investimento é considerado pelo mercado privado como “capital de risco”, por se tratar de um aporte financeiro de décadas, sem retorno imediato e garantia de sucesso a longo prazo.

Mas, na China há uma nova abordagem para tecnologias disruptivas provando ser sucesso e que possa estar mais próximo da nossa realidade.

Sócios da Inovação

Mas, além da política de comércio exterior agressiva, estão modelos de políticas públicas e geração de mercado ainda muito mais inovadores. Atualmente, a universidades chinesas, além da presença forte e incentivos para talentos do mundo inteiro irem para lá, já são donas de 2.300 empresas, com um faturamento de 13 bilhões e lucro presumido de US$ 650 milhões. Um exemplo de empresa nascida em uma universidade é a Lenovo, produtora de computadores e marca conhecida internacionalmente. Ainda hoje, 42,3% do capital da Lenovo são da Legend Holdings Ltda. pertence a Academia Chinesa de Estudos.

O Brasil e a inovação

Mas, fica uma reflexão para nós: talvez a referência ideal para o desenvolvimento tecnológico no Brasil, não deva ser o Vale do Silício. Neste momento, a China investe em tecnologias verdes, universidades e financiamento de maneira estratégia. Tendo o Estado como peça inicial do fortalecimento deste ecossistema, mas para isto precisamos nos articular como empreendedores.

Precisamos para aquecer o cenário de startups brasileiras, criar e implantar programas públicos para fomento de tecnologias disruptivas e do empreendedorismo de maneira estratégica. Opor-se a participação do governo na inovação, seria fugir da fórmula de sucesso da China e dos demais mercados com esse perfil. Discutir o papel do poder público e de outros atores para o desenvolvimento, é fundamental para a revolução, de fato, das políticas voltadas ao realizador e a tecnologia em nosso país.

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